quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Comunicado

Olá fiéis leitores, venho a partir deste comunicado informar que as novas postagens estarão suspensas por um período de recesso. Durante este tempo, tentarei ao máximo preparar bastante material bacana para ser publicado no Blog, e assim recompensar este tempo sem publicações. Bem, prevejo que a partir do dia 26 de Janeiro de 2016 terão novas postagens, seguindo o padrão de posts às terças-feiras e sextas-feiras. Pretendo, como já disse, deixar pronto muitos posts interessantes e que irão transmitir através das entrelinhas as minhas experiência e o meu principal propósito ao criar este Blog, externizar o que penso sobre tais elementos aos leitores e poder adquirir também conhecimento através dos comentários daqueles que julgam necessário promover debates acerca do que é conveniente discutir e conversar. 

Desde já, desejo a todos uma exclente noite de Natal, que todos possam extrair o sentido concreto do que é o Natal e o que ele representa aos cristãos, e para àqueles que não acreditam em tal significado, os meus sinceros abraços e que tenham um ótimo encerramento do ano. Desejo a todos um feliz ano novo, repleto de saberes novos, e que todos possam reconhecer esta passagem como algo que irá acrescentar valores na vida de cada um, poder reparar os erros cometidos em outrora e assim, aproveitar o máximo que a vida tem a lhe dar.

Aguardo todos novamente acessando e lendo os meus textos e outros posts nesta plataforma, agradeço e muito a companhia dos que aqui vieram e ajudaram neste projeto que pretendo seguir em meu caminho. Muito obrigado a todos vocês. Até 2016. Novidades e muita coisa bacana serão encontradas no Blog em 2016. Um forte abraço e minhas sinceras felicitações aos queridos internautas do "Com Lucas Afonso - Blog"!





Por Lucas Afonso de Souza.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Cinema - Resenha de "Terremoto - A Falha de San Andreas"

Sinopse: Um terremoto atinge a Califórnia e faz com que Ray (Dwayne Johnson), um bombeiro especializado em resgates com helicópteros, tenha que percorrer o estado ao lado da ex-esposa (Carla Gugino) para resgatar a sua filha Blake (Alexandra Daddario), que tenha sobreviver em São Francisco com a ajuda de dois jovens irmãos.

Resenha: "Terremoto - A Falha de San Andreas" é um típico filme americano tendo como a temática catástrofe natural, porém, é uma produção recente e que chamou bastante minha atenção quanto aos efeitos e sua produção na totalidade. 

O personagem principal Ray (Dwayne Johnson) é um profissional especializado em resgates através de helicópteros, possui uma filha que se chama Blake, e é separado de Emma (Carla Gugino), mãe de Blake.  A região da Califórnia começa a sofrer grandes tumores, e a falha de San Andreas se compromete bastante, promovendo assim, uma grande catástrofe que afetará a vida de milhões de pessoas, principalmente em São Fransisco e Los Angeles.

É um longa que prende a atenção da pessoa que assiste pelo simples fato de possuir ao longo da atração, efeitos e momentos intensos, radicais e muito bem feitos. É interessante também analisar a relação entre Ray e Emma, que se encontram separados no início, e no final, o desastre ocorrido acaba por aproximá-los.

Recomendo o filme para quem gosta de muita aventura e adrenalina. Espero que Brad Peyton possa dirigir outros filmes como fez com esse. Aguardando novas atrações de indústrias cinematográficas do mundo inteiro que prenda minha atenção assim como "San Andreas" fez.


Confira abaixo algumas informações a respeito do longa-metragem:

Lançamento: 28 de maio de 2015.

Orçamento: US$110 milhões.

Bilheteria Mundial: US$468,5 milhões.

Diretor: Brad Peyton.

Produção: Beau Flynn, Hiram Garcia e Tripp Vinson


Espero que tenham gostado da pequena resenha, e peço que comentem no post a respeito do filme, se viu ou que queira ver. Abraços.


Por Lucas Afonso de Souza.


sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Textos alheios - "Tudo a ver"


Roberto Freire



Tudo a ver

Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco, você levou para conhecer a sua mãe e ela foi de blusa transparente. Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina o Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então?

Então que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela, ela adora implicar com você. Isso tem nome.

Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai ligar e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário, ele escuta Sivuca. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado, e ainda assim você não consegue despachá-lo. Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Por que você ama este cara?

Não pergunte pra mim. Você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais.

Gosta dos filmes de Woody Allen, dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem o seu valor. É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco.

Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettuccine ao pesto é imbatível. Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém, adora sexo. Com um currículo desses, criatura, por que diabo está sem um amor?

Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.

Não funciona assim. Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não-fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo à porta. O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão.

O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar. Costuma ser despertado mais pelas flechas do cupido que por uma ficha limpa. Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referências. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.

Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o amor tem de indefinível.

Honestos existem aos milhares, generosos tem às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó. Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é.


Por Roberto Freire.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Divulgação do Livro - "Horror na Colina de Darrington"

Olá leitores!


Fonte: Blog Café Literário (http://cafeliterari-o.blogspot.com.br/2015/07/horror-na-colina-de-darrington.html).

Venho hoje divulgar aqui um excelente trabalho que foi desenvolvido por uma pessoa muito dedicada, determinada e talentosa. Marcus Vinícius escreveu o livro "Horror na Colina de Darrington", lançado no dia 30 de outubro de 2015 no Rio de Janeiro e apresenta uma literatura inovadora, composta por uma narrativa envolvente e provocativa. Para quem gosta de ler terror, suspense e doses de muito mistério, convido-lhes para embarcar nesta incrível história de Ben Simons: fantástica, verossímel e muito bem escrita. Para que vocês possam ter acesso ao livro, colocarei abaixo o link da obra no Wattpad, e os links de venda do livro.

Lançamento do livro (Fonte: Perdidos na Biblioteca).






Não percam minha resenha da história que será publicada no Blog em breve!



Por Lucas Afonso de Souza.



terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Textos alheios - "Lição de vida"


Chico Xavier



Lição de vida


Que Deus não permita que eu perca o ROMANTISMO,
mesmo eu sabendo que as rosas não falam.
Que eu não perca o OTIMISMO, mesmo sabendo que o futuro que nos espera não é assim tão alegre.
Que eu não perca a VONTADE DE VIVER,
mesmo sabendo que a vida é, em muitos momentos, dolorosa...
Que eu não perca a vontade de TER GRANDES AMIGOS,
mesmo sabendo que, com as voltas do mundo, eles acabam indo embora de nossas vidas...
Que eu não perca a vontade de AJUDAR AS PESSOAS,
mesmo sabendo que muitas delas são incapazes de ver, reconhecer e retribuir esta ajuda.
Que eu não perca o EQUILÍBRIO,
mesmo sabendo que inúmeras forças querem que eu caia.
Que eu não perca a VONTADE DE AMAR,
mesmo sabendo que a pessoa que eu mais amo, pode não sentir o mesmo sentimento por mim...
Que eu não perca a LUZ e o BRILHO NO OLHAR,
mesmo sabendo que muitas coisas que verei no mundo,
escurecerão meus olhos...
Que eu não perca a GARRA,
mesmo sabendo que a derrota e a perda são dois adversários extremamente perigosos...
Que eu não perca a RAZÃO,
mesmo sabendo que as tentações da vida são inúmeras e deliciosas.
Que eu não perca o SENTIMENTO DE JUSTIÇA,
mesmo sabendo que o prejudicado possa ser eu...
Que eu não perca o meu FORTE ABRAÇO,
mesmo sabendo que um dia meus braços estarão fracos...
Que eu não perca a BELEZA E A ALEGRIA DE VER,
mesmo sabendo que muitas lágrimas brotarão dos meus olhos
e escorrerão por minha alma...
Que eu não perca o AMOR POR MINHA FAMÍLIA,
mesmo sabendo que ela muitas vezes me exigiria esforços incríveis para manter a sua harmonia.
Que eu não perca a vontade de DOAR ESTE ENORME AMOR que existe em meu coração, mesmo sabendo que muitas vezes ele será submetido e até rejeitado.
Que eu não perca a vontade de SER GRANDE,
mesmo sabendo que o mundo é pequeno...
E acima de tudo...
Que eu jamais me esqueça que Deus me ama infinitamente,
que um pequeno grão de alegria e esperança dentro de cada um
é capaz de mudar e transformar qualquer coisa, pois....
A VIDA É CONSTRUÍDA NOS SONHOS
E CONCRETIZADA NO AMOR!


Amorosamente,
Francisco Cândido Xavier.


sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Reflexão - O caminho incerto da humanidade




Texto reflexivo - O caminho incerto da humanidade


Se associar o modo como era a vida há alguns anos atrás com a realidade do “agora” será percebido que os moldes que constitui a sociedade mudaram de forma drástica e radical. O ser humano é o indivíduo que ainda não descobriu o caminho certo e coerente, sendo isto uma proposição generalizada.

As rupturas e desgastes desvelados no meio social em algumas comunidades servem para justificar o que foi afirmado acima. O ambiente social encontra-se na precariedade abusiva, onde artefatos de criação humana ou mesmo o tão mencionado “capital” valem mais do que a vida de um indivíduo.

São absurdos sobrepostos em absurdos, superficialidades inseridas na realidade, abusos com a imagem de pessoas, corrupção, desgastes no meio familiar. Todos os efeitos citados advindos de principalmente de invenções humanas supérfluas, ganância pelo poder, status e niilismo no parâmetro social. Assim, a humanidade promove mais um passo regresso, partindo rumo a um “abismo desconhecido” ou futuro composto pela incerteza.

Qualidades ou características positivas não são mais vistas nos olhos das pessoas, tampouco, em suas consciências. O rompimento das relações sociais pacíficas, desagregação de valores, ausência de ética e repeito e a desumanização se tornam frequentes na atualidade. A humildade, amor ao próximo e a honestidade acabam por receber a declaração de extinção no ânimo das pessoas que vivem mergulhadas na imoralidade. Todavia, uma minoria ainda possui essas qualidades, e o que se deve desenvolver, é a transformação deste grupo menor a um maior. É preciso promover paz, amor e solidariedade.

Vale ressaltar que a luta não está perdida, basta enfim, que cada ser tenha consciência da valorização da vida e dos bens humanos que a mesma proporciona. Os homens terão que aprender a conviver com suas criações, suas tecnologias. Aprenderem a serem seres humanos, a respeitar, ajudar e apoiar o próximo. O destino da humanidade está em sua própria mão. O conjunto social deve escolher entre a vida do bem comum ou viver como uma espécie que promoverá sua própria extinção.


"Faça o bem em função do bem e não em razão das vantagens que ele envolve" - Sócrates.


Por Lucas Afonso de Souza.


terça-feira, 24 de novembro de 2015

Vídeo - Curtametragem "Eu não quero voltar sozinho"

Olá galera.

Confiram abaixo o curta "Eu não quero voltar sozinho" que originou o filme "Hoje eu não quero voltar sozinho". A temática retrata a homossexualidade no meio social e traz consigo uma excelente produção. Simples, porém, objetiva. Gostei bastante tanto do curta quanto do filme, e penso em resenhar o filme no Blog para quem ainda deseja vê-lo. Espero que gostem!






Informações


Sinopse: A vida de Leonardo, um adolescente cego, muda completamente com a chegada de um novo aluno em sua escola. Ao mesmo tempo, ele tem que lidar com os ciúmes da amiga Giovana e entender os sentimentos despertados pelo novo amigo Gabriel.

Elenco: Ghilherme Lobo (@GhiLobo), Tess Amorim (@TessCoelho), Fabio Audi (@Fabio_Audi).

Roteiro e Direção: Daniel Ribeiro (@danielribeiro).

Produção Executiva: Diana Almeida (@DiAlmeida).

Fotografia: Pierre de Kerchove.

Direção de Arte: Olivia Helena Sanches.

Montagem: Cristian Chinen.

Edição de Som: Daniel Turini e Simone Alves.

Trilha Sonora: Tatá Aeroplano e Juliano Polimeno.

Produção de Elenco: Alice Wolfenson e Danilo Gambini.


Por Lucas Afonso de Souza.


sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Crônicas - "O milagre das folhas" e "Vida natural"


Clarice Lispector



O milagre das folhas

Não, nunca me acontecem milagres. Ouço falar, e às vezes isso me basta como esperança. Mas também me revolta: por que não a mim? Por que só de ouvir falar? Pois já cheguei a ouvir conversas assim, sobre milagres: “Avisou-me que, ao ser dita determinada palavra, um objeto de estimação se quebraria.” Meus objetos se quebram banalmente e pelas mãos das empregadas. Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daqueles que rolam pedras durante séculos, e não daqueles para os quais os seixos já vêm prontos, polidos e brancos. 

Bem que tenho visões fugitivas antes de adormecer – seria milagre? Mas já me foi tranquilamente explicado que isso até nome tem: cidetismo, capacidade de projetar no campo alucinatório as imagens inconscientes. Milagre, não. Mas as coincidências. Vivo de coincidências, vivo de linhas que incidem uma na outra e se cruzam e no cruzamento formam um leve e instantâneo ponto, tão leve e instantâneo que mais é feito de pudor e segredo: mal eu falasse nele, já estaria falando em nada. Mas tenho um milagre, sim. O milagre das folhas. Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos cabelos.

A incidência da linha de milhões de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-las a mim. Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a escolhida das folhas. Com gestos furtivos tiro a folha dos cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante. Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança. E também porque sei que novas folhas coincidirão comigo. Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza.


Vida natural


Pois no Rio tinha um lugar com uma lareira. E quando ela percebeu que, além do frio, chovia nas árvores, não pôde acreditar que tanto lhe fosse dado. O acordo do mundo com aquilo que ela nem sequer sabia que precisava como numa fome. Chovia, chovia. O fogo aceso pisca para ela e para o homem. Ele, o homem, se ocupa do que ela nem sequer lhe agradece: ele atiça o fogo na lareira, o que não lhe é senão dever de nascimento. E ela – que é sempre inquieta, fazedora de coisas e experimentadora de curiosidades – pois ela nem se lembra sequer de atiçar o fogo: não é seu papel, pois se tem o seu homem para isso. Não sendo donzela, que o homem então cumpra a sua missão.

O mais que ela faz é às vezes instigá-lo: “aquela acha”, diz-lhe, “aquela ainda não pegou.” E ele, um instante antes que ela acabe a frase que o esclareceria, ele por ele mesmo já notara a acha, homem seu que é, e já está atiçando a acha. Não a comando seu, que é a mulher de um homem e que perderia seu estado se lhe desse ordem. 

A outra mão dele, a livre, está ao alcance dela. Ela sabe, e não a toma. Quer a mão dele, sabe que quer, e não a toma. Tem exatamente o que precisa: pode ter. Ah, e dizer que isto vai acabar, que por si mesmo não pode durar. Não, ela não está se referindo ao fogo, refere-se ao que sente. O que sente nunca dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais voltar. Encarniça-se então sobre o momento, come-lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja. Então, ela que sabe que tudo vai acabar, pega a mão livre do homem, e ao prendê-la nas suas, ela doce arde, arde, flameja.


Por Clarice Lispector.


terça-feira, 17 de novembro de 2015

Poemas - "Nossa truculência" e "A lucidez perigosa"


Clarice Lispector




Nossa truculência


Quando penso na alegria voraz
com que comemos galinha ao molho pardo,
dou-me conta de nossa truculência.
Eu, que seria incapaz de matar uma galinha,
tanto gosto delas vivas
mexendo o pescoço feio
e procurando minhocas.
Deveríamos não comê-las e ao seu sangue?
Nunca.
Nós somos canibais,
é preciso não esquecer.
E respeitar a violência que temos.
E, quem sabe, não comêssemos a galinha ao molho pardo,
comeríamos gente com seu sangue.

Minha falta de coragem de matar uma galinha
e no entanto comê-la morta
me confunde, espanta-me,
mas aceito.
A nossa vida é truculenta:
nasce-se com sangue
e com sangue corta-se a união
que é o cordão umbilical.
E quantos morrem com sangue.
É preciso acreditar no sangue
como parte de nossa vida.
A truculência.
É amor também.


A lucidez perigosa


Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.

Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém


Por Clarice Lispector.


sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Conto - "A Nova Califórnia"


Lima Barreto



A Nova Califórnia


Ninguém sabia donde viera aquele homem. O agente do Correio pudera apenas informar que atendia pelo nome de Raimundo Flamel, pois assim era subscrita a correspondência que recebia. E era grande. Quase diariamente, o carteiro lá ia a um dos extremos da cidade, onde morava o desconhecido, sopesando um maço alentado de cartas vindas do mundo inteiro, grossas revistas em línguas arrevesadas, livros, pacotes...

Quando Fabrício, o pedreiro, voltou de um serviço em casa do novo habitante, todos na venda perguntaram-lhe que trabalho lhe tinha sido determinado.

- Vou fazer um forno, disse o preto, na sala de jantar.

Imaginem o espanto da pequena cidade de Tubiacanga, ao saber de tão extravagante construção um forno na sala de jantar! E, pelos dias seguintes, Fabrício pôde contar que vira balões de vidros, facas sem corte, copos como os da farmácia - um rol de coisas esquisitas a se mostrarem pelas mesas e prateleiras como utensílios de uma cozinha em que o próprio diabo cozinhasse.

O alarme se fez na vila. Para uns, os mais adiantados, era um fabricante de moeda falsa; para outros, os crentes e simples, um tipo que tinha parte com o tinhoso.

Chico da Tirana, o carreiro, quando passava em frente da casa do homem misterioso, ao lado do carro a chiar, e olhava a chaminé da sala de jantar a fumegar, não deixava de persignar-se e rezar um "credo" em voz baixa; e, não fora a intervenção do farmacêutico, o delegado teria ido dar um cerco na casa daquele indivíduo suspeito, que inquietava a imaginação de toda uma população.

Tomando em consideração as informações de Fabrício, o boticário Bastos concluíra que o desconhecido devia ser um sábio, um grande químico, refugiado ali para mais sossegadamente levar avante os seus trabalhos científicos.

Homem formado e respeitado na cidade, vereador, médico também, porque o doutor Jerônimo não gostava de receitar e se fizera sócio da farmácia para mais em paz viver, a opinião de Bastos levou tranqüilidade a todas as consciências e fez com que a população cercasse de uma silenciosa admiração à pessoa do grande químico, que viera habitar a cidade.

De tarde, se o viam a passear pela margem do Tubiacanga, sentando-se aqui e ali, olhando perdidamente as águas claras do riacho, cismando diante da penetrante melancolia do crepúsculo, todos se descobriram e não era raro que às "boas noites" acrescentassem "doutor". E tocava muito o coração daquela gente a profunda simpatia com que ele tratava as crianças, a maneira pela qual as contemplava, parecendo apiedar-se de que eles tivessem nascido para sofrer e morrer.

Na verdade era de ver-se, sob a doçura suave da tarde, a bondade de Messias com que ele afagava aquelas crianças pretas, tão lisas de pele e tão tristes de modo, mergulhadas no seu cativeiro moral, e também as brancas, de pele baça, gretada e áspera, vivendo amparadas na necessária caquexia dos trópicos.

Por vezes, vinha-lhe vontade de pensar qual a razão de ter Bernardim de Saint-Pierre gasto toda a sua ternura com Paulo e Virgínia e esquecer-se dos escravos que os cercavam...

Em poucos dias a admiração pelo sábio era quase geral, e não o era unicamente porque havia alguém que não tinha em grande conta os méritos do novo habitante.

Capitão Pelino, mestre-escola e redator da Gazeta de Tubiacanga, órgão local e filiado ao partido situacionista embirrava com o sábio.. "Vocês hão de ver, dizia ele, quem é esse tipo... Um caloteiro, um aventureiro ou talvez um ladrão fugido do Rio."

A sua opinião em nada se baseava, ou antes, baseava-se no seu oculto despeito vendo na terra um rival para a fama de inteligente de que gozava. Não que Pelino fosse químico, longe disso; mas era sábio, era gramático. Ninguém escrevia em Tubiacanga que não levasse bordoada e correção do Capitão Pelino, e mesmo quando se falava em algum homem notável lá no Rio, ele não deixava de dizer: "Não há dúvida! O homem tem talento, mas escreve: "um outro", "de resto"... E contraía os lábios como se tivesse engolido alguma coisa amarga.

Toda a vila de Tubiacanga acostumou-se a respeitar o solene Pelino, que corrigia e emendava as maiores glórias nacionais. Um sábio...

Ao entardecer, depois de ler um pouco o Sotero, o Cândido de Figueiredo ou o Castro Lopes, e de ter passado mais uma vez a tintura nos cabelos, o velho mestre-escola saía vagarosamente de casa, muito abotoado no seu paletó de brim mineiro, e encaminhava-se para a botica do Bastos a dar dois dedos de prosa. Conversar é um modo de dizer, porque era Pelino avaro de palavras, limitando-se tão somente a ouvir. Quando, porém, dos lábios de alguém escapava a menor incorreção de linguagem, intervinha e emendava. "Eu asseguro, dizia o agente do correio, que... " Por aí o mestre-escola intervinha com mansuetude evangélica: "Não diga 'asseguro' Senhor Bernardes; em português é garanto."

E a conversa continuava depois da emenda, para ser de novo interrompida por uma outra. Por essas e outras, houve muitos palestradores que se afastaram, mas Pelino, indiferente, seguro dos seus deveres, continuava o seu apostolado de vernaculismo. A chegada do sábio veio distraí-lo um pouco da sua missão. Todo o seu esforço voltava-se agora para combater aquele rival, que surgia tão inopinadamente.

Foram vãs as suas palavras e a sua eloqüência: não só Raimundo Flamel pagava em dias as suas contas, como era generoso - pai da pobreza - e o farmacêutico vira numa revista de específicos seu nome citado como químico de valor.

II

Havia já anos que o químico vivia em Tubiacanga, quando, uma bela manhã, Bastos o viu entrar pela botica adentro. O prazer do farmacêutico foi imenso. O sábio não se dignara até aí visitar fosse quem fosse e, certo dia, quando o sacristão Orestes ousou penetrar em sua casa, pedindo-lhe uma esmola para a futura festa de Nossa Senhora da Conceição, foi com visível enfado que ele o recebeu e atendeu.

Vendo-o, Bastos saiu de detrás do balcão, correu a recebê-lo com a mais perfeita demonstração de quem sabia com quem tratava e foi quase em uma exclamação que disse:

- Doutor, seja bem-vindo.

O sábio pareceu não se surpreender nem com a demonstração de respeito do farmacêutico, nem com o tratamento universitário. Docemente, olhou um instante a armação cheia de medicamentos e respondeu:

- Desejava falar-lhe em particular, senhor Bastos.

O espanto do farmacêutico foi grande. Em que poderia ele ser útil ao homem, cujo nome corria mundo e de quem os jornais falavam com tão acendrado respeito? Seria dinheiro? Talvez... Um atraso no pagamento das rendas, quem sabe? E foi conduzindo o químico para o interior da casa, sob o olhar espantado do aprendiz que, por um momento, deixou a "mão" descansar no gral, onde macerava uma tisana qualquer.

Por fim, achou ao fundo, bem no fundo, o quartinho que lhe servia para exames médicos mais detidos ou para as pequenas operações, porque Bastos também operava. Sentaram-se e Flamel não tardou a expor:

- Como o senhor deve saber, dedico-me à química, tenho mesmo um nome respeitado no mundo sábio... 
- Sei perfeitamente, doutor, mesmo tenho disso informado, aqui, aos meus amigos. 
- Obrigado. Pois bem: fiz uma grande descoberta, extraordinária... Envergonhado com o seu entusiasmo, o sábio fez uma pausa e depois continuou: 
- Uma descoberta... Mas não me convém, por ora, comunicar ao mundo sábio, compreende? - Perfeitamente, disse o boticário.
- Por isso precisava de três pessoas conceituadas que fossem testemunhas de uma experiência dela e me dessem um atestado em forma, para resguardar a prioridade da minha invenção... O senhor sabe: há acontecimentos imprevistos e...
- Certamente! Não há dúvida!
- Imagine o senhor que se trata de fazer ouro...
- Como? O quê? fez Bastos, arregalando os olhos.
- Sim! Ouro! disse, com firmeza, Flamel.
- Como?
- O senhor saberá, disse o químico secamente. A questão do momento são as pessoas que devem assistir a experiência, não acha?
- Com certeza, é preciso que os seus direitos fiquem resguardados, porquanto...
- Uma delas, interrompeu o sábio, é o senhor; as outras duas, o Senhor Bastos fará o favor de indicar-me.

O boticário esteve um instante a pensar, passando em revista os seus conhecimentos e, ao fim de uns três minutos, perguntou:

- O Coronel Bentes lhe serve? Conhece?
- Não. O senhor sabe que não me dou com ninguém aqui.
- Posso garantir-lhe que é homem sério, rico e muito discreto.
- É religioso? Faço-lhe esta pergunta, acrescentou Flamel logo, porque temos que lidar com ossos de defunto e só estes servem...
- Qual! É quase ateu...
- Bem! Aceito. E o outro?
Bastos voltou a pensar e dessa vez demorou-se um pouco mais consultando a sua memória... Por fim, falou:

- Será o Tenente Carvalhais, o coletor, conhece?
- Como já lhe disse...
- É verdade. É um homem de confiança, sério, mas...
- Que é que tem?
- É maçom.
- Melhor.
- E quando é?
- Domingo. Domingo, os três irão lá em casa assistir a experiência e espero que não me recusarão as suas firmas para autenticar a minha descoberta.
- Está tratado.

Domingo, conforme prometeram, as três pessoas respeitáveis de Tubiacanga foram à casa de Flamel, e, dias depois, misteriosamente, ele desaparecia sem deixar vestígios ou explicação para o seu desaparecimento.

Tubiacanga era uma pequena cidade de três ou quatro mil habitantes, muito pacífica, em cuja estação, de onde em onde, os expressos davam a honra de parar. Há cinco anos não se registrava nela um furto ou roubo. As portas e janelas só eram usadas... porque o Rio as usava.

O único crime notado em seu pobre cadastro fora um assassinato por ocasião das eleições municipais; mas, atendendo que o assassino era do partido do governo, e a vítima da oposição, o acontecimento em nada alterou os hábitos da cidade, continuando ela a exportar o seu café e a mirar as suas casas baixas e acanhadas nas escassas águas do pequeno rio que a batizara.

Mas qual não foi a surpresa dos seus habitantes quando se veio a verificar nela um dos repugnantes crimes de que se tem memória! Não se tratava de um esquartejamento ou parricídio: não era o assassinato de uma família inteira ou um assalto à coletoria; era coisa pior, sacrílega aos olhos de todas as religiões e consciências: violavam-se as sepulturas do cemitério "Sossego", do seu campo-santo.

No começo, o coveiro julgou que fossem cães, mas, revistando bem o muro, não encontrou senão pequenos buracos. Fechou-os; foi inútil. No dia seguinte, um jazigo perpétuo arrombado e os ossos saqueados; no outro, um carneiro e uma sepultura rasa. Era gente ou demônio. O coveiro não quis mais continuar as pesquisas por sua conta, foi ao delegado e a notícia espalhou-se pela cidade.

A indignação na cidade tomou todas as feições e todas as vontades. A religião da morte precede todas e certamente será a última a morrer nas consciências. "Contra a profanação", clamaram os seis presbiterianos do lugar - os crentes, como lhes chama o povo; clamava o Agrimensol Nicolau, antigo cadete, e positivista do rito Teixeira Mendes; clamava o Major Camanho, presidente da Loja Maçônica Nova Esperança; clamavam o turco Miguel Abudala, negociante de armarinhos, e o cético Belmiro, antigo estudante, que vivia ao deus-dará, bebericando cachaça nas tavernas. A própria filha do engenheiro residente da estrada de ferro, que vivia desdenhando aquele lugarejo, sem notar sequer os suspiros dos apaixonados locais - sempre esperando que o expresso trouxesse um príncipe a desposá-la -, a linda e desdenhosa Cora não pôde deixar de compartilhar da indignação e do horror que tal ato provocara em todos do lugarejo. Que tinha ela com o túmulo de antigos escravos e humildes roceiros? Em que podia interessar aos seus lindos olhos pardos o destino de tão humildes ossos? Porventura o furto deles perturbaria o seu sonho de fazer radiar a beleza de sua boca, dos seus olhos e do seu busto nas calçadas do Rio?

Decerto, não; mas era a Morte, a Morte implacável e onipotente, de que ela também se sentia escrava, e que não deixaria um dia de levar a sua linda caveirinha para a paz eterna do cemitério. Aí Cora queria os seus ossos sossegados, quietos e comodamente descansando num caixão bem feito e num túmulo seguro, depois de ter sido a sua carne encanto e prazer dos vermes...

O mais indignado, porém, era Pelino. O professor deitara artigo de fundo, imprecando, bramindo, gritando: "Na história do crime, dizia ele, já bastante rica de fatos repugnantes, como sejam: o esquartejamento de Maria de Macedo, o estrangulamento dos irmãos Fuoco, não se registra um que o seja tanto como o saque às sepulturas do 'Sossego'."

E a vila vivia em sobressalto. Nas faces não se lia mais paz; os negócios estavam paralisados; os namoros suspensos. Dias e dias por sobre as casas pairavam nuvens negras e, à noite, todos ouviam ruídos, gemidos, barulhos sobrenaturais... Parecia que os mortos pediam vingança...

O saque, porém, continuava. Toda noite eram duas, três sepulturas abertas e esvaziadas de seu fúnebre conteúdo. Toda a população resolveu ir em massa guardar os ossos dos seus maiores. Foram cedo, mas, em breve, cedendo à fadiga e ao sono, retirou-se um, depois outro e, pela madrugada, já não havia nenhum vigilante. Ainda nesse dia o coveiro verificou que duas sepulturas tinham sido abertas e os ossos levados para destino misterioso.

Organizaram então uma guarda. Dez homens decididos juraram perante o delegado vigiar durante a noite a mansão dos mortos.

Nada houve de anormal na primeira noite, na segunda e na terceira; mas, na quarta, quando os vigias já se dispunham a cochilar, um deles julgou lobrigar um vulto esgueirando-se por entre a quadra dos carneiros. Correram e conseguiram apanhar dois dos vampiros. A raiva e a indignação, até aí sopitadas no ânimo deles, não se contiveram mais e deram tanta bordoada nos macabros ladrões, que os deixaram estendidos como mortos.

A notícia correu logo de casa em casa e, quando, de manhã, se tratou de estabelecer a identidade dos dois malfeitores, foi diante da população inteira que foram neles reconhecidos o Coletor Carvalhais e o Coronel Bentes, rico fazendeiro e presidente da Câmara. Este último ainda vivia e, a perguntas repetidas que lhe fizeram, pôde dizer que juntava os ossos para fazer ouro e o terceiro companheiro que fugira era o farmacêutico.

Houve espanto e houve esperanças. Como fazer ouro com ossos? Seria possível? Mas aquele homem rico, respeitado, como desceria ao papel de ladrão de mortos se a coisa não fosse verdade!

Se fosse possível fazer, se daqueles míseros despojos fúnebres se pudesse fazer alguns contos de réis, como não seria bom para todos eles!

O carteiro, cujo velho sonho era a formatura do filho, viu logo ali meios de consegui-la. Castrioto, o escrivão do juiz de paz, que no ano passado conseguiu comprar uma casa, mas ainda não a pudera cercar, pensou no muro, que lhe devia proteger a horta e a criação. Pelos olhos do sitiante Marques, que andava desde anos atrapalhado para arranjar um pasto, pensou logo no prado verde do Costa, onde os seus bois engordariam e ganhariam forças...

Às necessidades de cada um, aqueles ossos que eram ouro viriam atender, satisfazer e felicitá-los; e aqueles dois ou três milhares de pessoas, homens, crianças, mulheres, moços e velhos, como se fossem uma só pessoa, correram à casa do farmacêutico.

A custo, o delegado pôde impedir que varejassem a botica e conseguir que ficassem na praça, à espera do homem que tinha o segredo de todo um Potosi. Ele não tardou a aparecer. Trepado a uma cadeira, tendo na mão uma pequena barra de ouro que reluzia ao forte sol da manhã, Bastos pediu graça, prometendo que ensinaria o segredo se lhe poupassem a vida. "Queremos já sabê-lo," gritaram. Ele então explicou que era preciso redigir a receita, indicar a marcha do processo, os reativos - trabalho longo que só poderia ser entregue impresso no dia seguinte. Houve um murmúrio, alguns chegaram a gritar, mas o delegado falou e responsabilizou-se pelo resultado.

Docilmente, com aquela doçura particular às multidões furiosas, cada qual se encaminhou para a casa, tendo na cabeça um único pensamento: arranjar imediatamente a maior porção de ossos de defunto que pudesse.

O sucesso chegou à casa do engenheiro residente da estrada de ferro. Ao jantar, não se falou em outra coisa. O doutor concatenou o que ainda sabia do seu curso, e afirmou que era impossível. Isto era alquimia, coisa morta: ouro é ouro, corpo simples, e osso é osso, um composto, fosfato de cal. Pensar que se podia fazer de uma coisa outra era "besteira". Cora aproveitou para rir-se petropolimente da crueldade daqueles botocudos; mas sua mãe, Dona Emília, tinha fé que a coisa era possível.

À noite, porém, o doutor percebendo que a mulher dormia, saltou a janela e correu em direção do cemitério; Cora, de pés nus, com as chinelas nas mãos, procurou a criada para irem juntas à colheita de ossos. Não a encontrou, foi sozinha; e Dona Emília, vendo-se só, adivinhou o passeio e lá foi também. E assim aconteceu na cidade inteira. O pai, sem dizer ao filho, saía; a mulher, julgando enganar o marido, saía; os filhos, as filhas, os criados - toda a população, sob a luz das estrelas assombradas, correu ao satânicorendez-vous no "Sossego". E ninguém faltou. O mais rico e o mais pobre lá estavam. Era o turco Manoel, era o professor Pelino, o Doutor Jerônimo, o Major Camanho, Cora, a linda e deslumbrante Cora, com seus dedos de alabastro, revolvia a sânie das sepulturas, arrancava as carnes, ainda podres agarradas tenazmente aos ossos e deles enchia o seu regaço até ali inútil. Era o dote que colhia e as suas narinas, que se abriam em asas rosadas e quase transparentes, não sentiam o fétido dos tecidos apodrecidos em lama fedorenta...

A desinteligência não tardou a surgir; os mortos eram poucos e não bastavam para satisfazer a fome dos vivos. Houve facadas, tiros, pauladas. Pelino esfaqueou o turco por causa de um fêmur e mesmo entre famílias questões surgiram. Unicamente, o carteiro e o filho não brigaram. Andaram juntos e de acordo e houve uma vez que o pequeno, uma esperta criança de onze anos, até aconselhou o pai: "Papai vamos aonde está mamãe; ela era tão gorda..."

De manhã, o cemitério tinha mais mortos do que aqueles que recebera em trinta anos de existência. Uma única pessoa lá não estivera, não matara nem profanara sepulturas: fora o bêbado Belmiro.

Entrando assim numa venda, meio aberta, e nela não encontrando ninguém, enchera uma garrafa de cachaça parati e se deixara ficar a beber sentado na margem do Tubiacanga, vendo escorrer mansamente as suas águas sobre o áspero leito de granito - ambos, ele e o rio, indiferentes ao que já viram, mesmo à fuga do farmacêutico, com seu Potosi e o seu segredo, sob o dossel eterno das estrelas.


Por Lima Barreto.


terça-feira, 10 de novembro de 2015

Conto - "A morte dos girassóis"



Caio Fernando Abreu



A morte dos girassóis


“Anoitecia, eu estava no jardim. Passou um vizinho e ficou me olhando, pálido demais até para o anoitecer. Tanto que cheguei a me virar para trás, quem sabe alguma coisa além de mim no jardim. Mas havia apenas os brincos-de-princesa, a enredadeira subindo tenta pelos cordões, rosas cor-de-rosa, gladíolos desgrenhados. Eu disse oi, ele ficou mais pálido.

Perguntei que-que foi, e ele enfim suspirou: “Me disseram no Bonfim que você morreu na Quinta-feira.” Eu disse ou pensei em dizer ou de tal forma deveria ter dito que foi como se dissesse: “É verdade, morri sim. Isso que você está vendo é uma aparição, voltei porque não consigo me libertar do jardim, vou ficar aqui vagando feito Egum até desabrochar aquela rosa amarela plantada no dia de Oxum. Quando passar por lá no Bonfim diz que sim, que morri mesmo, e já faz tempo, lá por agosto do ano passado. Aproveita e avisa o pessoal que é ótimo aqui do outro lado: enfim um lugar sem baixo-astral.”

Acho que ele foi embora, ainda mais pálido. Ou eu fui, não importa. Mudando de assunto sem mudar propriamente, tenho aprendido muito com o jardim. Os girassóis, por exemplo, que vistos assim de fora parecem flores simples, fáceis, até um pouco brutas. Pois não são. Girassol leva tempo se preparando, cresce devagar enfrentando mil inimigos, formigas vorazes, caracóis do mal, ventos destruidores. Depois de meses, um dia pá! Lá está o botãozinho todo catita, parece que já vai abrir.

Mas leva tempo, ele também, se produzindo. Eu cuidava, cuidava, e nada. Viajei por quase um mês no verão, quando voltei, a casa tinha sido pintada, muro inclusive, e vários girassóis estavam quebrados. Fiquei uma fera. Gritei com o pintor: “Mas o senhor não sabe que as plantas sentem dor que nem a gente?” O homem ficou me olhando tão pálido quanto aquele vizinho.

Não, ele não sabe, entendi. E fui cuidar do que restava, que é sempre o que se deve fazer.

Porque tem outra coisa: girassol quando abre flor, geralmente despenca. O talo é frágil demais para a própria flor, compreende? Então, como se não suportasse a beleza que ele mesmo engendrou, cai por terra, exausto da própria criação esplêndida. Pois conheço poucas coisas mais esplêndidas, o adjetivo é esse, do que um girassol aberto.

Alguns amarrei com cordões em estacas, mas havia um tão quebrado que nem dei muita atenção, parecia não valer a pena. Só apoiei-o numa espada-de-são-jorge com jeito, e entreguei a Deus. Pois no dia seguinte, lá estava ele todo meio empinado de novo, tortíssimo, mas dispensando o apoio da espada. Foi crescendo assim precário, feinho, fragilíssimo.

Quando parecia quase bom, cráu! Veio uma chuva medonha e deitou-se por terra. Pela manhã estava todo enlameado, mas firme. Aí me veio a idéia: cortei-o com cuidado e coloquei-o aos pés do Buda chinês de mãos quebradas que herdei de Vicente Pereira. Estava tão mal que o talo pendia cheio dos ângulos das fraturas, a flor ficava assim meio de cabeça baixa e de costas para o Buda.

Não havia como endireitá-lo.

Na manhã seguinte, juro, ele havia feito um giro completo sobre o próprio eixo e estava com a corola toda aberta, iluminada, voltada exatamente para o sorriso do Buda. Os dois pareciam sorrir um para o outro.Um com o talo torto, outro com as mãos quebradas. Durou pouco, girassol dura pouco, uns três dias. Então peguei e joguei-o pétala por pétala, depois o talo e a corola entre as alamandas da sacada, para que caíssem no canteiro lá embaixo e voltassem a ser pó, húmus misturado à terra, depois não sei ao certo, voltasse à tona fazendo parte de uma rosa, palma-de-santa-rita, lírio ou azaléia, vai saber que tramas armam as raízes lá embaixo no escuro, em segredo.

Ah, pede-se não enviar flores. Pois como eu ia dizendo, depois que comecei a cuidar do jardim aprendi tanta coisa, uma delas é que não se deve decretar a morte de um girassol antes do tempo, compreendeu?

Algumas pessoas acho que nunca. Mas não é para essas que escrevo. “


Por Caio Fernando Abreu.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Conto - "Existe sempre uma coisa ausente"


Caio Fernando Abreu




Existe sempre uma coisa ausente


Paris — Toda vez que chego a Paris tenho um ritual particular. Depois de dormir algumas horas, dou uma espanada no rodenirterceiromundista e vou até Notre-Dame. Acendo vela, rezo, fico olhando a catedral imensa no coração do Ocidente. Sempre penso em Joana d’Arc, heroína dos meus remotos 12 anos; no caminho de Santiago de Compostela, do qual Notre-Dame é o ponto de partida — e em minha mãe, professora de História que, entre tantas coisas mais, me ensinou essa paixão pelo mundo e pelo tempo.

Sempre acontecem coisas quando vou a Notre-Dame. Certa vez, encontrei um conhecido de Porto Alegre que não via pelo menos á 20 anos. Outra, chegando de uma temporada penosa numa Londres congelada e aterrorizada por bombas do IRA, na época da Guerra do Golfo, tropecei numa greve de fome de curdos no jardim em frente. Na mais bonita dessas vezes, eu estava tristíssimo. Há meses não havia sol, ninguém mandava notícias de lugar algum, o dinheiro estava no fim, pessoas que eu considerava amigas tinham sido cruéis e desonestas. Pior que tudo, rondava um sentimento de desorientação. Aquela liberdade e falta de laços tão totais que tornam-se horríveis, e você pode então ir tanto para Botucatu quanto para Java, Budapeste ou Maputo — nada interessa. Viajante sofre muito: é o preço que se paga por querer ver “como um danado”,feito Pessoa. Eu sentia profunda falta de alguma coisa que não sabia o que era. Sabia só que doía, doía. Sem remédio.

Enrolado num capotão da Segunda Guerra, naquela tarde em Notre-Dame rezei, acendi vela, pensei coisas do passado, da fantasia e memória, depois saí a caminhar. Parei numa vitrina cheia de obras do conde Saint-Germain, me perdi pelos bulevares da le dela Cité. Então sentei num banco do Quai de Bourbon, de costas para o Sena, acendi um cigarro e olhei para a casa em frente, no outro lado da rua. Na fachada estragada pelo tempo lia-se numa placa: “II y a toujours quelque choe d’abient qui me tourmente” (Existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta) — frase de uma carta escrita por Camilie Claudel a Rodín, em 1886. Daquela casa, dizia aplaca, Camille saíra direto para o hospício, onde permaneceu até a morte. Perdida de amor, de talento e de loucura.

Fazia frio, garoava fino sobre o Sena, daquelas garoas tão finas que mal chegam a molhar um cigarro. Copiei a frase numa agenda. E seja lá o que possa significar “ficar bem” dentro desse desconforto inseparável da condição, naquele momento justo e breve — fiquei bem. Tomei um Calvados, entrei numa galeria para ver os desenhos de Egon Schiele enquanto a frase de Camille assentava aos poucos na cabeça. Que algo sempre nos falta — o que chamamos de Deus, o que chamamos de amor, saúde, dinheiro, esperança ou paz. Sentir sede, faz parte. E atormenta.

Como a vida é tecelã imprevisível, e ponto dado aqui vezenquando só vai ser arrematado lá na frente. Três anos depois fui parar em Saint-Nazaire, cidadezinha no estuário do rio Loire, fronteira sul da Bretanha. Lá, escrevi uma novela chamada Bem longe de Marienbad , homenagem mais à canção de Barbara que ao filme de Resnais. Uma tarde saí a caminhar procurando na mente uma epígrafe para o texto. Por “acaso”, fui dar na frente de um centro cultural chamado (oh!) Camille Claudel. Lembrei da agenda antiga, fui remexer papéis. E lá estava aquela frase que eu nem lembrava mais e era, sim, a epígrafe e síntese (quem sabe epitáfio, um dia) não só daquele texto, mas de todos os outros que escrevi até hoje. E do que não escrevi, mas vivi e vivo e viverei.

Pego o metrô, vou conferir. Continua lá, a placa na fachada da casa número 1 do Quai de Bourbon, no mesmo lugar. Quando um dia você vier a Paris, procure. E se não vier, para seu próprio bem guarde este recado: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo.


Por Caio Fernando Abreu.


terça-feira, 3 de novembro de 2015

Textos Alheios - "Eu sei, mas não devia"


Marina Colasanti



Eu sei, mas não devia


A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.


Por Marina Colasanti.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Crônica - "Uma lição inesperada"


João Anzanello Carrascoza



Uma lição inesperada

No último dia de férias, Lilico nem dormiu direito. Não via a hora de voltar à escola e rever os amigos. Acordou feliz da vida, tomou o café da manhã às pressas, pegou sua mochila e foi ao encontro deles. Abraçou-os à entrada da escola, mostrou o relógio que ganhara de Natal, contou sobre sua viagem ao litoral. Depois ouviu as histórias dos amigos e divertiu-se com eles, o coração latejando de alegria. Aos poucos, foi matando a saudade das descobertas que fazia ali, das meninas ruidosas, do azul e branco dos uniformes, daquele burburinho à beira do portão. Sentia-se como um peixe de volta ao mar. Mas, quando o sino anunciou o início das aulas, Lilico descobriu que caíra numa classe onde não havia nenhum de seus amigos. Encontrou lá só gente estranha, que o observava dos pés à cabeça, em silêncio. Viu-se perdido e o sorriso que iluminava seu rosto se apagou. Antes de começar, a professora pediu que cada aluno se apresentasse. Aborrecido, Lilico estudava seus novos companheiros. Tinha um japonês de cabelos espetados com jeito de nerd. Uma garota de olhos azuis, vinda do Sul, pareceu-lhe fria e arrogante. Um menino alto, que quase bateu no teto quando se ergueu, dava toda a pinta de ser um bobo. E a menina que morava no sítio? A coitada comia palavras, olhava-os assustada, igual a um bicho-do-mato. O mulato, filho de pescador, falava arrastado, estalando a língua, com sotaque de malandro. E havia uns garotos com tatuagens umas meninas usando óculos de lentes grossas, todos esquisitos aos olhos de Lilico. A professora? Tão diferente das que ele conhecera... Logo que soou o sinal para o recreio, Lilico saiu a mil por hora, à procura de seus antigos colegas. Surpreendeu-se ao vê-los em roda, animados, junto aos estudantes que haviam conhecido horas antes. De volta à sala de aula, a professora passou uma tarefa em grupo. Lilico caiu com o japonês, a menina gaúcha, o mulato e o grandalhão.

Começaram a conversar cheios de cautela, mas paulatinamente foram se soltando, a ponto de, ao fim do exercício, parecer que se conheciam há anos. Lilico descobriu que o japonês não era nerd, não: era ótimo em Matemática, mas tinha dificuldade em Português. A gaúcha, que lhe parecera tão metida, era gentil e o mirava ternamente com seus lindos olhos azuis. O mulato era um caiçara responsável, ajudava o pai desde criança e prometeu ensinar a todos os segredos de uma boa pescaria. O grandalhão não tinha nada de bobo. Raciocinava rapidamente e, com aquele tamanho, seria legal jogar basquete no time dele. Lilico descobriu mais. Inclusive que o haviam achado mal-humorado quando ele se apresentara, mas já não pensavam assim. Então, mirou a menina do sítio e pensou no quanto seria bom conhecê-la. Devia saber tudo de passarinhos. Sim, justamente porque eram diferentes havia encanto nas pessoas. Se ele descobrira aquilo no primeiro dia de aula, quantas descobertas não haveria de fazer no ano inteiro? E, como um lápis deslizando numa folha de papel, um sorriso se desenhou novamente no rosto de Lilico.


Por João Anzanello Carrascoza.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Crônica - "Ponta da Língua"


João Anzanello Carrascoza



Ponta da Língua


Cheia de graça é a nossa língua, portuguesa.
Você nem precisa aprender o á-bê-cê para rir com ela.
Desde pequeno já ouve dizer que mentira tem pernas curtas.
E mentira tem pernas?
E a verdade? A verdade tem pernas longas?
E quando dói a barriga da perna?
Ou quando ficamos de orelha em pé?
O que a barriga tem a ver com a perna, e orelha com o pé?
Pra ser divertido, não leve nada ao pé da letra!
Até porque letra não tem pé. Ou tem?
Pé-de-meia é o dinheiro que a gente economiza.
Pé-de-moleque, doce de amendoim.
Dedo de prosa é papo rápido.
Dedo-duro é traidor.
Pão-duro, pessoa egoísta.
E boca da noite? E céu da boca?
É uma brincadeira atrás da outra!
Cabeça de cebola, dente de alho, braço de mar.
Com a nossa língua, a gente pode pegar a vida pela mão.
Pode abrir o coração. Pode fechar a tristeza.
A gente pode morrer de medo e, ao mesmo tempo, estar vivinho da silva.
Pode fazer coisas sem pé nem cabeça.
Mas brincar com palavras também é coisa séria.
Basta errar o tom e você vai parar no olho do furacão.
Então, divirta-se. Cuidado só para não morder a língua portuguesa!


Por João Anzanello Carrascoza.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Crônica - "Escorrendo"


Antônio Prata



Escorrendo


Aos 5 anos de idade o mundo é esmagadoramente mais forte do que a gente. (Aos 30 também, mas aprendemos umas manhas que, se não anulam a desproporção, ao menos disfarçam nossa pequenez.) 

A ignorância não é uma bênção, é uma condenação: compreender a origem dos nossos incômodos faz uma grande diferença. Mas como, com tão poucas palavras ao nosso dispor? Palavras são ferramentas que usamos para desmontar o mundo e remontá-lo dentro da nossa cabeça. Sem as ferramentas precisas, ficamos a espanar parafusos com pontas de facas, a destruir porcas com alicates. 

Com 2 anos, meu nariz escorria sem parar na sala de aula. Eu não sabia assoar, nem sequer sabia que existia isso: assoar. Apenas enxugava o que descia na manga do uniforme, conformado, até ficar com o nariz assado. 

Lembro-me bem da sensação da meia sendo comida pela galocha enquanto eu andava. A cada passo, ela ia se engruvinhando mais e mais na frente do pé, faltando no calcanhar, e eu aceitava o infortúnio como se fosse uma praga rogada pelos deuses, uma sina. Não passava pela minha cabeça trocar de meia, desistir da galocha, pedir ajuda aos adultos: a vida era assim, não havia o que fazer. 

Numas férias, meu pai apareceu antes do combinado para pegar minha irmã e eu na casa dos meus avós. Durante 400 quilômetros, falou que existiam pessoas boas e pessoas más, que aconteciam coisas que a gente não conseguia entender, que mesmo as pessoas más podiam fazer coisas boas e as pessoas boas, coisas más. Já quase chegando a São Paulo, contou que nosso vizinho, de 6 anos, tinha levado um tiro. 

Naquela noite, enquanto as crianças da rua brincavam - mais quietas do que o habitual, sob um véu inominável -, um dos garotos disse: "Bem-feito! Ele é muito chato". Hoje, penso que pode ter sido sua maneira de lidar com uma realidade esmagadoramente mais forte do que ele. 

Meu vizinho, felizmente, sobreviveu. Nossa ingenuidade é que não: ficou ali, estirada entre amendoeiras e paralelepípedos, sendo iluminada pela lâmpada intermitente de mercúrio, depois que todas as crianças voltaram para suas casas.


Por Antônio Prata.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Cinema - Resenha de "Divertida Mente"

Olá leitores,

Hoje tratarei em expor o que achei da animação "Divertida Mente", que estreou nos cinemas no mês de junho deste ano. Quero começar falando que gosto muito de filmes de animações, pois, os mesmo são produções de qualidade e que não são destinados apenas às crianças, mas também aos jovens e adultos. São filmes que tratam de temas diversificados e interessantes, e os retratam de maneira intuitiva, bacana, lúdica e na maioria das vezes cômica. 

Este filme não se diferencia do que as demais animações apresentam, e torna-se mais um excelente produto, capaz de tratar algo real através de um enredo baseado no colorido, divertido e infantil. A psicologia encontra-se bem inserida no filme, onde os sentimentos e noções de Riley, são mostradas de modo fantasioso e bacana para o entretenimento.

Na mente da criança existe a Alegria, a Tristeza, o Raiva, o Medo e a Nojinho. Cada personagem possui a sua peculiaridade e ajuda a constituir o que é a menina, como ela aje, como pensa e como lida com as circunstâncias. 

No decorrer do filme, aventuras acontece na mente de Riley, as memórias bases dela estão correndo risco, bem como a totalidade de sua personalidade. Assim, a Alegria e a Tristeza partem para uma aventura na mente da criança. É retratado também, as peculiaridades, lembranças e memórias, como o amigo imaginário que desenhava na infância, o mesmo que se personifica dentro de sua mente. 

O ponto alto do filme é quando a mente de Riley encontra-se conturbada, pois, apenas o Medo, o Raiva e a Nojinho controlam suas atitudes. Até que a Alegria e a Tristeza conseguem chegar a cúpula central da mente e recolocam as memórias bases. 

Enfim, para quem gosta de filmes que tratam de assuntos bacanas, como a psicologia retratado de modo descontraído em "Divertida Mente", é uma excelente escolha este título. Espero poder resenhar outros filmes aqui no Blog, para ajudar alguns leitores que se sentem perdidos na hora de escolher um filme para assistir com os amigos ou com a família. 

Espero que gostem do filme, caso se interessem em assistir. Aproveitem para deixar nos comentários, as opiniões em relação a animação comentada. 


Por Lucas Afonso de Souza.


sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Poemas - "No meio do caminho" e "José"


Carlos Drummond de Andrade



No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.


José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?



Por Carlos Drummond de Andrade.


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